Reforma tributária – “O Rei está nu”. Por uma análise crítica.

Por Luiz José de França. *
*Advogado. Consultor em Direito Tributário e Societário. Advogado sócio de França advogados Consultoria Jurídica e Advocacia e França Apoio em Gestão Empresarial, em Recife e São Paulo.
Na última semana de junho/2023, o relator da Reforma Tributária Deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) acelerou o passo e concluiu em tempo recorde – turbinado pela liberação de emendas parlamentares no valor de mais de 2 Bilhões de Reais – todos os substitutivos e destaques, colocando em votação, o que é tema extremamente urgente para o País.
A Reforma do SISTEMA tributário.
E gravei em MAIÚSCULO porque tal tema ainda não chegou. Está se reformando uma parte do sistema, que versa sobre fato gerador, conceitos de imunidade e isenção e unificação arrecadatória, ficando de fora todo o “lixo” dos tributos federais regressivos como também todo uma parte essencial na redução de litígios que é a simplificação e clareza no processo administrativo tributário (Leia-se CARF, TATE’s e demais instâncias administrativas presas a um velho e carcomido conceito de legalidade cerrada ou estrita), impedindo que – de fato – esta parte essencial do sistema - a instância administrativa - seja um ponto de partida para a discussão de mérito dos fatos geradores e presunções legais e não apenas o reprodutório da jurisprudência ‘pro fisco’ turbinada desde o dia de ontem – com a volta do voto de qualidade aprovado nas mesmas condições ditas acima, sob o eco das emendas parlamentares(veja-se matéria no valor econômico, site JOTA e Tributário.net).
Dentre as modificações parciais no sistema tributário, o texto apresentado prevê a unificação de tributos de forma otimizada, aplicação do princípio da seletividade de produtos não essenciais, redução de alíquotas na tributação de produtos e serviços essenciais, além da criação de ‘cashback’ para população de baixa renda, cujos termos serão objeto de futura lei complementar.
O texto prevê a criação de uma tributação no modelo IVA (Imposto sobre Valor Agregado) de forma dual e bipartida, a qual considera o valor destacado da operação de forma direta e não-cumulativa, ou seja, determina como base de cálculo o efetivo valor da operação e abatendo-se o recolhimento de etapas anteriores.
Tal modelo, poderá vir a simplificar o método de tributação ao contribuinte, que saberá efetivamente qual valor será desembolsado, e poderá otimizar também o processo arrecadatório incidente sobre o consumo por parte dos entes federativos.
Assim, na versão aprovada pela câmara, os tributos federais PIS, COFINS e IPI serão unificados e substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), sendo mantida a competência no âmbito federal para fiscalização e arrecadação.
O ICMS e ISS, que atualmente são de competência estadual e municipal, respectivamente, serão unificados e substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cuja fiscalização e arrecadação será realizada de forma compartilhada entre União e demais entes federativos, com a criação de um Conselho Federativo, para fins de harmonizar normas, interpretações e procedimentos relativos aos tributos unificados.
Além do método IVA previsto, a alteração e unificação dos tributos terá como objetivo a aplicação de uma arrecadação seletiva com aplicação de alíquotas diferenciadas nas etapas de industrialização de produtos que contenham tabaco, álcool ou serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente (em substituição ao IPI. Aqui, porta aberta para mais tributos indiretos, pois em tese, tudo pode ser nocivo ao meio ambiente e a produtos que sejam lesivos a saude. Lobbies não vão faltar, de parte a parte.).
Em contrapartida, a medida prevê tratamento especial com redução de alíquotas ou isenção em produtos e serviços essenciais como transporte, saúde, medicamentos, educação, agropecuária, atividades artísticas, bem como, na industrialização e comercialização de alimentos contidos na cesta básica.(isso tudo já existia de forma esparsa e agora, passa a estar – em tese – centralizado nas leis complementares que virão regular o tema).
A proposta ainda prevê a manutenção dos regimes especiais de tributação de alguns setores favorecidos pelo SIMPLES, bem como, situados na Zona Franca de Manaus, além de benefícios específicos no tratamento especial de produtos que contenham combustíveis e lubrificantes, atualmente tributados no modelo de monofasia.
Ainda que as medidas apresentadas tragam diversos benefícios aos contribuintes que precisarão do duro teste da práxis econômica, há ainda um sério risco para os Estados e Municípios, que podem sofrer uma dura redução na sua arrecadação interna com a unificação dos tributos de sua atual competência.
Neste sentido, Paulo de Barros Carvalho, professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), ressalta que a importância da competência tributária para garantir a autonomia dos Estados e municípios será perdida com a reforma. Em recente entrevista ao CANAL UM Brasil, o mestre de todos que pensam seriamente o Direito, adverte que uma reforma tributária que concentre a arrecadação principalmente no controle da União pode afetar o desenho federativo do país.
Carvalho argumenta que a proposta de impostos únicos, mesmo que com modalidades diferentes, não faz sentido no contexto federativo brasileiro, considerando suas extensões territoriais e desigualdades regionais.
O mestre acerta “na veia”. Uma reforma aprovada “a toque de caixa” pode causar problemas aos Estados e Municípios, uma vez que o repasse de recursos irá exigir – no modelo proposto e aprovado em tempo recorde - negociações políticas, dificultando o acesso aos recursos garantidos constitucionalmente pelas prefeituras e governos estaduais.
Em uma medida, me socorrendo de Paulo de Barros Carvalho, o principal obstáculo para uma reforma sequencial(dentro de uma lógica jurídico política correta,
séria e republicana) seria a vontade de todos os atores políticos de serem protagonistas de uma reforma. E aqui, A União usou de todos os métodos de sempre. Liberação de emendas para aprovar um texto absolutamente aberto.
A proposta atual em tramitação no Congresso Nacional, aprovada pela Câmara dos Deputados, se propôs a abordar diversos aspectos simultaneamente, o que a torna absolutamente incompatível com o nosso modelo constitucional, especialmente quando envolve a redução da arrecadação regional.
O fato da reforma visar o consumo é recomendável, mas é preciso ir com cuidado e cautela, abordando apenas aspectos pontuais relacionados ao consumo, para poder testar e avaliar suas consequências.
E some-se a mais um capítulo do manicômio tributário do nosso País: A regra de transição que fará o setor produtivo conviver por num mínimo 05 (cinco) anos com dois sistemas de apuração e com todo o lixo do sistema anterior sendo discutido por uma estrutura que não privilegia a prova e a tese mas sim o erro formal ou material e compromete a saude e a vida dos negócios. Mantém-se o complexo sistema recursal travado por limitações que remontam aos anos 60(sessenta) do século passado e propõem o que? Com a palavra os senhores congressistas que aprovaram o texto, os destaques e as exclusões em 24 (vinte e quatro) horas.
E não se diga que isso se discute há 30 (trinta) anos. Ao revés disso, uma única pessoa, por mais louvável que sejam suas motivações, compilou tudo o que havia e … bingo! Eis aqui a nossa reforma… Novamente o Brasil traz a máxima do Rei que – enganado por vendilhões – acreditou piamente que estava vestido em Ouro, mas na verdade andava NU entre seus súditos. A União marca um gol de marketing e deixa o problema do Brasil Real para daqui há cinco anos. Este é até agora, o legado da reforma. Tomara que estejamos errados. O tempo dirá.
Concluímos que, e estamos bastante confortáveis pois já nos posicionamos claramente pela necessidade da reforma da totalidade do Sistema Tributário na mídia em entrevistas e matérias públicas (revista algo mais, tributário.net), ainda que o processo tributário no país necessite urgentemente ser reformado - eventuais etapas na sua aprovação deveriam ter sido observadas e discutidas principalmente com profissionais técnicos e atuantes na seara tributária, pois estamos no risco iminente, sob o beneplácito do Congresso Nacional, de termos uma reforma que, na prática, onere e burocratize ainda mais o sistema atual, saindo da cabeça de uma única pessoa, nos trazendo a baila, a máxima de que “O Rei está Nu”.
LUIZ JOSÉ DE FRANÇA
OAB/PE 15.399